Teses e dissertações

Sobre: Avalovara

Ordenar por

Esta tese é uma incursão pelo romance Avalovara, de Osman Lins. Obra que se narra a si mesma, que exibe sua estrutura e dialoga com seu tempo, A valovara não permite uma leitura única, redutora. Exige, bem ao contrário, uma perspectiva múltipla, baseada em diferentes campos da arte e do conhecimento humano. É este olhar que esta tese procura oferecer - o olhar de um viajante que busca reconstituir a viagem de um outro. O percurso está dividido em três partes, que se inter-relacionam e se completam mutuamente - um pouco como as três protagonistas do romance A primeira parte do trajeto busca dar conta da distribuição espacial do romance: desde a sua estrutura mesma, que já nasce vinculada à estética medieval, até a relação do protagonista com as cidades que percorre - na Europa - e com aquelas que traz dentro de si - do Nordeste brasileiro. A segunda parte discute a questão do tempo em Avalovara. O tempo em suas muitas implicações, seja na organização da matéria narrativa, seja constitutivo. Já a terceira e última parte fala da criação e de seus enfrentamentos. Primeiro, entre o criador e a opressão, que o nega, contamina e, muitas vezes, o destrói. Depois, entre o criador e o objeto de sua criação - no caso, a palavra.

Esta dissertação pretende responder ao desconhecimento que a obra de Osman Lins suscita. Um vazio carregado de significação. As inúmeras traduções, para o alemão, para o francês, para o italiano e inglês, de boa parte de sua obra traduzem a ação e raio de sua importância. De circunferência larga, enraizada no nordeste brasileiro, em Pernambuco, terra nativa. Ao mesmo tempo a recepção lá de sua obra é para nós uma contra-celebração. Há o que festejar no entusiasmo deles por obra que, nossa, permanece-nos estranha? Apesar das limitações de nosso texto, esperamos sobrepor um sinal sobre a interrogação branca da cor de páginas sem leitores que envolve a produção literária de Osman Lins. O nosso presente nos cobra esse olhar revisionista, olhar crítico: faz-me esticar a atenção ao que, ao lado, arrefecia no silêncio. É preciso fazê-lo, moeda de valor, circular. Muito de nossa complexidade social e de intrincada realidade cultural ali respira. Avalovara, livro de 1973, é nosso objeto. A literatura como ato condensador, inventivo, cintilando seu reflexo estelar sobre um mar diário de entorpecimento. A poética de Avalovara, mais um fio na urdidura da teia encentrada na literatura. O olhar crítico é um olhar com e para. Com a obra e sempre na mira de um sentido, de uma interpretação. Olhar que assume sob o diâmetro de suas limitações os riscos interpretativos, que podem, sem atenção, minar a visão, infeccioná-la, inutilizá-la. Toda interpretação então é parcela do objeto que constitui. Rastreamos os caracteres barrocos de Avalovara, demonstrando sua modernidade e sintonia com o presente a partir da moderna idéia de barroco contemporâneo. Barroco tecido em suas correspondências estéticas com o presente. A colheita desses elementos barroquizantes, sua leitura, possibilita-nos compor a imagem barroca da obra para, a partir dela, explorar suas relações com a literatura moderna e com a ação da poética no mundo contemporâneo.

O romance Avalovara (1973), do escritor pernambucano Osman Lins (1924-1978), apresenta complexa elaboração da categoria narrativa tempo, por meio da exploração da técnica da simultaneidade narrativa. O enredo que mimetiza o movimento de uma espiral sobre o palíndromo sator arepo tenet opera rotas torna concorrentes no presente da enunciação diferentes temporalidades ficcionais, promovendo leituras pautadas pela revisão_ com impactos para o próprio tempo e memória de leitura _ da concepção de um tempo linear e homogêneo, como consolidado no senso comum. Com a visada plural sobre o tempo, a narrativa osmaniana provoca fecundos enraizamentos: na própria trajetória do escritor, cuja inquietude técnica conduz à renovação dos modos de narrar; na moderna narrativa ocidental, que se funda na ruptura com a situação espácio-temporal de cunho "realista"; na modernidade da literatura brasileira, em diálogo com a pesquisa formal, sobremodo nas inovações da poética do tempo, da geração paulistana de 22; no debate acerca do engajamento literário, que se colocou com o Golpe de 64. Do percurso de leitura crítica em busca desses enraizamentos e suas imbricações, evocados pelo texto osmaniano, o presente trabalho destaca a crítica radical que Avalovara tece à visada progressista e à concepção de história nela ancorada. A estrutura desse romance, ao conjugar no tempo literário aspectos tão díspares do tempo _ a atemporalidade mítica, a histórica e a subjetiva_ alcança construir uma noção de história sensível a vozes silenciadas e alienadas no passado e interessada em ecoá-las no presente, em afinidade com a guinada na Historiografia, proposta por pensadores como os da Escola de Analles e Walter Benjamin.

Este trabalho debruça-se sobre o veio ainda pouco explorado, no campo da análise intersemiótica, das relações possíveis entre duas artes ditas temporais na clássica definição de Lessing: a literatura e a música. Embora mais próximas, neste aspecto, do que as ditas artes irmãs , mas rivais a literatura e a pintura , verifica-se que as abordagens comparativas do texto e da imagem superam amplamente os estudos comparativos do texto e da música no universo da crítica literária contemporânea. Esta dissertação pretende, portanto, contribuir para diminuir essa lacuna, e ao mesmo tempo iluminar aspectos ainda obscuros sobre a gênese de um romance exemplarmente intersemiótico e experimental: o Avalovara, do escritor pernambucano Osman da Costa Lins. A partir das pesquisas de Steven Paul Scher, revistas pela professora Solange Ribeiro de Oliveira sobre a Melopoética disciplina que pretende investigar a mútua iluminação entre a musicologia e os estudos literários , procuramos analisar as possíveis homologias entre o discurso literário e o musical ao longo da narrativa osmaniana, considerando três aspectos principais: 1. a citação, no romance osmaniano, de peças como a Sonata em fá menor K 462, para cravo, de Domenico Scarlatti, compositor italiano do século XVIII; e a Cantata Catulli Carmina, de Carl Orff, compositor alemão do século XX, que dialoga com os textos do antigo poeta romano Catulo (84-54 A.C.) no processo de construção de uma metáfora musical para o romance: o relógio; 2. a criação de um personagem músico, o tecladista e horologista Julius Heckethorn, supostamente baseado na biografia real do compositor serialista alemão Anton Webern, em consonância com o personagem compositor Adrian Leverkühn, do Doutor Fausto, de Thomas Mann, baseado no compositor Schoenberg, criador do método serial na música; e 3. a utilização de uma mesma metáfora visual-literária o Quadrado Sator, criado a partir de um palíndromo na organização estrutural do romance Avalovara, de Osman Lins, e numa composição de Anton Webern, o Concerto para nove instrumentos Op. 24; a fim de discutir como esses autores de distintas artes temporais buscaram, cada um no seu meio mas com recursos similares, repensar a noção do tempo tradicionalmente atrelada à definição desses dois gêneros artísticos a literatura e a música buscando, ambos, resgatar a noção de espacialidade em suas obras.

Nesta pesquisa, verifica-se como está representada a velhice feminina, observando-se personagens femininas em suas trajetórias para e na velhice, em narrativas da literatura brasileira contemporânea, percebendo-se como se delineiam os espaços possíveis ocupados por elas e, nestes, os conflitos geracionais, a exploração e o abandono, a morte, o desejo sexual, a degradação de seus corpos e o silenciamento ou o aparecimento de suas vozes, pois, na medida em que se avança na idade, diminui-se a velocidade dos passos e vai-se perdendo o poder de voz. Apresentadas em etapas diferentes de vida, em condições físicas e sociais diversas, elas protagonizam narrativas cujo enfoque é a mulher frente às perdas, que acompanham o envelhecimento, e à solidão. Resta-lhes a memória. Neste contexto, analisamse e elementos espaciais e temporais e seus significados, bem como objetos presentes, que são também narradores, para compreender as relações dessas mulheres com o outro, que as olha, ou narra; e consigo, no intuito de entender, enfim, o que essas mulheres têm a mostrar/esconder e o que elas têm a dizer e como o fazem (se falam ou quando falam por elas). Nesta perspectiva, a análise das estratégias discursivas nos processos de narração evidenciam as construções estéticas para a produção de sentidos. Deste modo, faz-se uma leitura da localização da mulher velha em nossa sociedade, estabelecendo-se relações entre sua visibilidade, seu espaço físico e enunciativo, na intimidade e na vida social, em que o corpo degradado é alvo de preconceito, no âmbito literário no qual este é centro das discussões através de suas representações.

Privilegia-se nesta dissertação a leitura e interpretação de Avalovara, romance de Osman Lins, sob a ótica de um tema universal da literatura o amor humano, seguindo-se as pistas deixadas pelo autor em entrevistas e analisando-se, de modo especial, sua configuração poética na narrativa. Tendo em vista o intenso conteúdo sexual do romance, estuda-se as várias dimensões do amor carnal, desde o uso político do corpo até seu aspecto mítico e cosmogônico. Para tanto, primeiro conceitua-se literatura erótica para depois contextualizar-se Avalovara na tradição ocidental no século XX. Em seguida, são apontadas suas fontes, que remontam à Bíblia e à tradição hindu do tantra. Unindo-as, Lins cria um amor concreto e carnal, capaz de levar os amantes a reencontrar a unidade original. Além disso, ao incorporar a geometria simbólica do tantra na estrutura do romance, Lins confere à literatura um poder mágico até então encontrado apenas em textos religiosos e místicos. De modo que esta dissertação, fundamentada também em teorias da narrativa e do romance e numa abordagem comparatista, tem sobretudo uma perspectiva crítica: mostrar a especificidade de Avalovara, dentro da tradição da literatura erótica e o seu papel no contexto da literatura brasileira, nos anos da ditadura militar.

Esta dissertação apresenta a edição fac-similar e diplomática em perspectiva genética de 53 notas de planejamento do romance Avalovara de Osman Lins. Esta seleção permitiu verificar quais foram os procedimentos empregados na composição do texto, da estrutura rigorosa do livro e o registro da utilização destas notas na obra publicada em 1973. A edição contempla documentos autógrafos, datiloscritos e impressos rasurados que, de modo geral, contêm um discurso indicativo. Com isso, é possível perceber certas particularidades relacionadas ao processo de criação do romance além de estabelecer novas propostas de estudo para a obra.

Este trabalho é um estudo de caso do livro Avalovara de Osman Lins. Parto de uma questão que emerge do texto: a dolorosa separação do saber ocidental, ainda na Grécia, em dois campos, a máthema e a poiesis. Este livro toca na questão porque o autor-engenheiro Osman Lins não esconde do leitor o sistema que rege o romance. Um espiral e um quadrado são as formas geométricas que estruturam a história de Abel e seus três amores. Ao mesmo tempo, a poesia permanece em vigília na travessia. Ao colocar o esqueleto matemático para fora o autor nos remete a pergunta: Qual a possibilidade de máthema e poiesis se manifestarem juntas, tecendo como as irmãs Hermelinda e Hermenilda, o destino de nossa personagem? Partindo das experiências de Leibniz, apoiado em filósofos como Heidegger, Hegel e Agamben, e passando pelas obras de Manoel de Barros, Glauber Rocha e Jorge Luis Borges, tento encontrar uma direção. Não há, sem dúvida, garantia de êxito. Ao contrário de Abel, não existe uma cisterna onde eu possa vivenciar meu destino. Parto rumo ao nada.

9
Tipo

Dissertação de Mestrado

Ano

2010

Este trabalho aborda os aspectos musicais relacionados à construção do relógio de Julius Heckethorn, com base na sonata K 462 de Scarlatti, detalhadamente narrados no tema P, do romance Avalovara, de Osman Lins. O objetivo é o estabelecimento de relações entre esses aspectos musicais e os elementos estruturais do romance, com vistas ao desvelamento de algumas de suas regras. São relevantes e numerosas as referências musicais presentes no romance. Além das ricas narrativas de cenas sonoras, tais como o bater das ondas do mar na beira da praia, o som do vento, o barulho das patas dos cavalos, o cantar dos pássaros, há representações de manifestações musicais folclóricas e eruditas retratadas pelo Pastoril, no Recife, pela cantata Catulli Carmina, de Carl Orff, e pelo salmo In Convertendo Dominus, de André Campra. As reflexões têm como referência teórica a perspectiva de Matila Ghyka (1968) para relacionar os elementos estruturais da obra com a construção do relógio de Julius Heckethorn, e como referência musical as informações contidas em Grout e Palisca (2007).

Esse trabalho trata de dois aspectos presentes ao longo da trajetória narrativa de Osman Lins: a leitura e a escrita. Esses aspectos são percebidos tanto no nível temático quanto no nível da construção de personagens em quatro obras desse escritor: O visitante (1955), Nove, novena (1966), Avalovara (1973) e A rainha dos cárceres da Grécia (1976). O objetivo é, assim, verificar como Lins aborda a leitura e a escrita em suas narrativas, sob a perspectiva de um adensamento desses temas do primeiro ao último romance. Para realizar esse estudo de cunho bibliográfico, optamos por dividi-lo em duas partes. Na primeira, composta por dois capítulos, abordamos a leitura, o leitor, a escrita e o escritor em textos teóricos, críticos e sobre a história da leitura e da escrita, bem como obras literárias que representam esses temas. Nesse sentido, nos apoiamos em estudos de Eco, Chartier e Dällenbach, dentre outros. Percebemos, nesses dois capítulos, que tanto o tema da leitura quanto o da escrita são caros à narrativa literária desde o advento da modernidade. Na segunda parte do trabalho, nos propomos a analisar efetivamente a leitura e a escrita nas obras citadas de Lins, dedicando, a cada uma delas, um capítulo. Nesses quatro capítulos, buscamos um diálogo com a crítica especializada sobre o autor, considerando também a produção ensaística de Lins. A partir dessa análise, observamos que o autor adensa a leitura e a escrita de O visitante até chegar a A rainha dos cárceres da Grécia, partindo de uma perspectiva íntima desses atos, passando pela perpetuação da escrita e pela vivificação proporcionada pela leitura (seja de textos artísticos ou não), pelo viés da escrita literária até chegar a uma espécie de fusão de todos esses elementos.

Esta dissertação tem por objetivo fazer uma análise comparativa entre a Divina Comédia (escrita entre 1307 e 1321), de Dante Alighieri (1265-1321), e o romance Avalovara, de Osman da Costa Lins (1924-1978), publicado em 1973. Tendo constatado que pouco se tem escrito sobre a relação entre a Commedia e Avalovara, resolvemos escrever um estudo de caráter mais amplo, trazendo para o nosso trabalho contribuições feitas e dar a nossa contribuição. Para essa análise, priorizamos a comparação quanto ao tema do Paraíso, visto que tanto a Commedia quanto Avalovara recorrem ao mito bíblico. Mito que retornou com força no século XX, após um processo de saturação com o cientificismo e a industrialização herdeira do século das Luzes, segundo Gilbert Durand, de modo que conforme o escritor e crítico mexicano Carlos Fuentes, a necessidade do mito surgiu, paradoxalmente, das ruínas da cultura que o rejeitou. A influência da Divina Comédia sobre o romance Avalovara foi ressaltada por Osman Lins em várias entrevistas, mas ressalvando que o romance ao seu modo homenageia o poeta italiano. Nesse sentido, o estudo dessas duas obras se fundamentou no comparatismo latino-americano. Reflexões e ensaios de Antonio Candido, Silviano Santiago, Roberto Schwarz, Leyla Perrone-Moisés, Haroldo de Campos e Octavio Paz, por exemplo, foram importantes para entendermos como a releitura da Commedia por Avalovara não se deu passivamente, mas de maneira inovadora, de modo que contribuiu para a renovação do gênero romanesco latino-americano. A comparação entre essas obras ocorreu em dois aspectos: o estético e o identitário. Este se deteve, especialmente, na análise da androginia adâmica para problematizar a híbrida identidade latino-americana, através de Avalovara, visto que Dante não menciona o Adão andrógino. Aquele quanto à estrutura (composição catedrática), personagem (focalizando a Beatriz dantesca e as leituras variantes dela pelas personagens osmanianas, especialmente Roos, Cecília e ) e ao espaço (narrativização do Éden como espaço anímico e globalizante). Nosso ensaio termina com uma discussão sobre uma possível leitura do regionalismo literário na Divina Comédia (fundamentando-se no conceito de regionalismo como tendo seus primórdios na tradição greco-latina); também com uma discussão sobre uma releitura do regionalismo nordestino em Avalovara. Aproveitamos para também fazermos uma revisão de certos postulados da crítica osmaniana.

Nesta dissertação, propomos uma compreensão do romance Avalovara, de Osman Lins, à luz da categoria estética da abertura, seguindo as problematizações de Umberto Eco. Procuramos destacar alguns pressupostos destas, de modo a indicar, no romance, instanciações destes bem como exemplos de aberturas. Indicamos, enfim, possibilidades de interpretação, sendo que o romance é fortemente constituído de alusões a perspectivas teóricas distintas, as quais, também, abrem-no.

Convergindo em campo comum as analíticas da linguagem operadas por Roland Barthes e Jacques Derrida, o presente estudo tem por objetivo passar em revista as marcas de significação dispostas no romance Avalovara de Osman Lins. Tomando por base a riqueza intertextual do seu discurso narrativo, visa-se aqui trabalhar a sua palavra naquilo que ela traz de mais acentuado: um traço de sentido que se notabiliza por sua cursiva abertura. Todo o jogo semântico disposto no interior do romance será submetido às fortunas teóricas de ambos os pensadores naquilo que trazem de mais pertinente ao dimensionamento da linguagem e as suas operações de significação. Lançando mão de um horizonte conceitual que une a mais aguda inflexão filosófica às condições de sentido acenadas desde o interior da própria letra ficcional do romance, constrói-se um percurso no qual as marcas linguísticas sopesam não como gestos imobilizados, mas como traços móveis de um dizer que em si não pode guardar-se em instância última. Como emblema máximo dessa movência no interior do romance está a figura da espiral: voluta que não nos permite ver onde se limitam o fim e o começo da narrativa. É ela, atrelada aos termos “indecidibilidade” e “neutralidade”, o primeiro caro a Jacques Derrida e o segundo, a Roland Barthes, que conflui guiar este trabalho dissertativo.

A presente dissertação propõe a análise dos recursos estilísticos e narrativos utilizados na representação da ditadura militar brasileira no romance Avalovara (1973), em que Osman Lins condensa toda sua força criadora e sua postura crítica, na realização de obra que homenageia o rigor do ordenamento cósmico, sem abrir mão do compromisso ético de resistência à opressão de seu tempo histórico. Servirão de bússola para esta investigação as funções textuais do ser sobrenatural Iólipo, mais completa alegoria da opressão e da esterilidade militares.

A pesquisa busca uma abertura para compreender o sentido da obra literária imbricada no mistério da criação artística a partir das suas figurações em Avalovara (1973), de Osman Lins. Em meio à interpretação do romance, pretende-se percorrer questões fundamentais que subjazem no revestimento conceitual instaurado ao longo da modernidade literária. Em Avalovara, o leitor é encaminhado a um pensamento originário que resgata a instância poética da narrativa, projetando o fazer artístico em uma dimensão mítica que é Linguagem acontecendo em seu silêncio. Isso só é possível pela elaboração de uma narrativa que já não representa, mas encena questões, realizando-as na tessitura de seus elementos. O romance se põe à procura de sentido para realidade, questionando a tradição mimética – corolário de uma metafísica essencialista e subjetivista –, e, em seu procurar desvela-se o seu sentido de ser, o seu ser-obra de arte. Neste sentido, reaviva-se a referência essencial entre arte e verdade, em que esta, é a própria dinâmica de re-velação do real retraindo sua realidade em tudo o que se manifesta. A obra de arte corresponde a essa dinâmica de ser das coisas. Nelas e por elas a procura se dá, passo a passo, revelando-se aos poucos em cada palavra, obra e verdade. Procurando pela verdade, o homem, coisas entre coisas, pode se reintegrar com a realidade de ser; Abel, o humano, o artista, o escritor pode reingressar no paraíso pelo exercício do amor pleno que há no cuidado para com as coisas em seu silêncio, silêncio da Linguagem que acolhe não só o poder criativo da literatura, mas também da própria existência humana.

Trata-se de uma investigação acerca da função da angústia, operador clínico de grande importância na metapsicologia psicanalítica. A angústia é descrita de Freud a Lacan dentro do registro econômico, ora transbordamento, ora sinal e preparação. Ao mesmo tempo, representa o fracasso do psiquismo em fazer frente à exigência pulsional e se constitui como trabalho de simbolização. Sua função, portanto, seria de mediação, em sua vertente de pulsão de conquista (Bemächtigungstrieb). É uma função antecipatória, em que a angústia consiste num trabalho de metabolismo do excesso pulsional. A literatura é tomada como campo de investigação desse trabalho, sob a suposição de que pode condensar experiências fugazes e permite recolher testemunhos do inconsciente. Ela serve a esta pesquisa pela virtude de transformar funcionamento em estrutura, em sua natureza estrutural e constitutivamente alegórica. A angústia, que não faz discurso mas o exige, é reencontrada na forma alegórica do desassossego, pela qual ela pode se inscrever no discurso, constituir-se escrita. Esta escrita corresponde à formalização dos impasses representacionais que concernem à vida pulsional e ao aparelho psíquico em sua tarefa de simbolização. O desassossego é aqui estudado na obra Avalovara, de Osman Lins. Tempo e espaço, dimensões fundamentais da representação romanesca, nessa obra são levados aos seus limites pelo recurso aos mais variados expedientes estilísticos. De modo geral, o aperspectivismo de tempo e espaço, em Avalovara, constitui a grande tensão que o texto pretende sustentar, entre ordem e anarquia das formas, entre conquista e resistência do que pulsa nas palavras, o mecanismo de articulação em que os impasses funcionam de modo a configurar o desassossego da obra. Seu cerne, assim o propomos, não é outra coisa senão a própria angústia. Sua função é esta, que não sejamos surpreendidos em um mau encontro como real, pela visitação anterior ao desassossego de nossa condição não esquecida.

Esta dissertação busca realizar uma leitura dos textos Avalovara (1973), de Osman Lins, e O jogo da liberdade da alma (2003), de Maria Gabriela Llansol, tomando como ponto de partida procedimentos metaficcionais que aí se manifestam, com ênfase em apontamentos autoconscientes e autorreflexivos que possibilitam observar de que maneira cada um dos autores direciona o seu texto. Nesse sentido, focalizar-se-á a forma de composição das duas obras, realçando um espaço de escrita no qual personagens, no romance de Lins, e figuras, no texto de Llansol, se encontram, gerando um movimento que se expande em termos de linguagem, linguagem dinâmica que se desdobra em múltiplos caminhos, enveredando por frestas que levam o leitor a redimensionar sua perspectiva de visão sobre a própria literatura.

Lins, a partir de algumas relações estabelecidas entre as manifestações do fluxo de consciência dos seus personagens e a dialética da negatividade estética, formulada nas concepções filosóficas de Theodor Adorno. Em seu decorrer, discutiremos inicialmente como se dá a disposição formal da técnica de fluxo de consciência e seus desdobramentos críticos ao longo do século XX. Também forneceremos, na primeira parte da pesquisa, um quadro de compreensão do pensamento estético de Adorno, focalizando suas discussões sobre a Dialética Negativa (1966), o narrador no romance contemporâneo e suas leituras sobre os procedimentos artísticos de Samuel Beckett. A finalidade é encontrar, nas concepções de não-identidade e crítica do sujeito moderno, desenvolvidas por Adorno, um significado literário para a desconstrução das estruturas romanesca que se manifestam no interior de Avalovara. Na segunda parte da pesquisa, analisaremos o romance de Osman Lins buscando entender como a sua organização estrutural, de caráter fragmentário, produz um movimento de tensão temática em que determinados tipos de violência que implicam em sofrimento são substituídos por uma transgressão erótica mediadora de uma atitude de autonomia e autenticidade dos protagonistas. Nossa intenção é entender que a utilização da técnica de fluxo de consciência, como maneira de nos inteirarmos do que se passa na mente dos personagens, nos dá condição de perceber de maneira mais ampla que no interior do sujeito existe uma insistência dialética em expor a negatividade dos conceitos sobre o mundo no qual se experimenta, fugindo de uma objetividade positiva e ontológica em favor de uma heterogeneidade negativa da consciência do ser no mundo.

Nesta pesquisa, estudamos o mundo no romance Avalovara (1973), do escritor pernambucano Osman Lins. Para tanto, substituímos o conceito de espaço dos estudos topoanalíticos, limitado à visão cartesiana, pelo conceito de mundanidade desenvolvido por Heidegger, o qual indica a ideia de uma totalidade conjuntural estruturada por modos de encontros e usos, vividos cotidianamente pelo ser-no-mundo. Sendo a narrativa literária feita de palavras que não representam ou reproduzem a realidade, adotamos o conceito de heterotopia de Foucault, indicador dos ―espaços‖ que, ao mesmo tempo, representam, contradizem e invertem a realidade, para o estudo dos lugares na narrativa, compostos por matizes de realidade e de simbologia. Sendo a ―palavra‖ a matéria trabalhada pelo escritor para estruturar um mundo, fundamentamos sua análise na ideia de similitude, também de Foucault, o qual defende que cada ―coisa‖ artística é a coisa representada acrescida por pequenas diferenças, o que impossibilita a referencialidade a uma origem. Com base nisto, chegamos a um mundo romanesco que representa, contradiz e inverte, por meio de acréscimos de pequenas diferenças, os espaços da realidade. Este mundo tem como base os modos de encontros e usos vividos pelo escritor que, por meio da interpretação, estrutura narrativamente um mundo no qual coisas e seres se mantêm ligados por linhas e nós de força e repulsão. O texto, construído com base no quadrado e na espiral, entra em conversa com o leitor, cuja interpretação acaba acrescendo pequenas diferenças no mundo romanesco. Assim, o mundo em Avalovara é uma construção permanente pela interação de quatro dimensões: 1) a dos modos de encontros e usos vividos pelo escritor; 2) a da compreensão/interpretação do escritor, que atua sobre a primeira; 3) a da mundanidade da narrativa textual, que desvela e vela a circunvisão do escritor; 4) a da compreensão/interpretação do leitor, que atua com base e sobre as anteriores. Desse modo, dividimos a pesquisa em três capítulos: o primeiro busca entender a visão hermenêutica de Osman Lins, seu conceito de palavra, de texto; o segundo desenvolve os conceitos de mundanidade, de heterotopia e de similitude; o terceiro analisa o mundo em Avalovara dividido em três regiões, compostas por incontáveis lugares e ambientes. Esta quadridimensionalidade hermenêutica conduz à ideia de que o mundo romanesco, insubordinado, é produto de todas as dimensões, simultaneamente.

Esta tese visa expor e delimitar como o escritor pernambucano Osman Lins (1924-1978), sobretudo nas obras Nove, novena (1966) e Avalovara (1973), postula o pathos em termos de animalidade de onde é oriunda uma complexa disposição ecológica de sua literatura e, por outro lado, propõe, de maneira crítica, um inventário de técnicas do homem transfigurado, por sua vez, naquilo que se reúne sob o caráter de ordem e rigor como, por exemplo, a alquimia, a geometria, o olho de vidro e a temperança, entre outros. Avultamos que a relação entre cultura e natureza em sua obra seja ponto coincidente em uma importante parcela de sua fortuna crítica, embora reste não explorada de maneira exaustiva: para tanto, realizamos, seguindo os passos desta mesma fortuna crítica, uma arqueologia deste tópico em seus textos a partir da qual se tenciona que ele advém, principalmente, de uma crítica de Lins à adesão de Carl Jung (arquétipo) e dos nouveaux romanciers franceses (realismo subjetivo) à fenomenologia de Edmund Husserl, assim como da oposição entre caos e ordem, sensível e inteligível, corpo e espírito, passivo e ativo, negativo e positivo, física e metafísica no cânone ocidental (Platão, monoteísmo, Dante). Doravante inferimos determinada passagem crítica do escritor por esta tradição, que resumiríamos como a acusação de uma economia da natureza na civilização, assim como, a partir de então, propomos maior aderência de Lins à tradição poético-literária latino-americana (principalmente à obra de João Cabral de Melo Neto) e aos procedimentos dos povos indígenas exemplificados por cronistas, antropólogos e demais estudiosos, o que resulta, por sua vez, numa intensificação da experiência sensível e na reinvenção constante da relação dos homens com o ambiente circundante, ambas estabelecidas por meio do advento da sombra em sua literatura. Alocaremos tais procedimentos, finalmente, sob a proposição osmaniana de uma terra por vir.

Este site não hospeda os textos integrais dos registros bibliográficos aqui referenciados. No entanto, quando disponíveis online em outros websites da Internet, eles podem ser acessados por meio do link “Visualizar/Download”.

;
;