Osman da Costa Lins nasceu a 05 de julho de 1924 em Vitória de Santo Antão, cidade de Pernambuco. Aos dezesseis dias de vida, perdeu a mãe, Maria da Paz de Mello Lins, em decorrência de complicações do parto.

Vida

Com freqüência, Osman Lins menciona, em entrevistas, desconhecer seu rosto, porque ela não deixou fotografia. Segundo ele, esse fato teria configurado seu trabalho de escritor que, metaforicamente, seria o de construir com a imaginação um rosto inexistente. A transfiguração poética dessa situação aparece em vários momentos de sua obra em que irrompe o motivo da fotografia.

Mesa de Trabalho - Osman Lins
Arquivo IEB-USP, Fundo Osman Lins, Código de Referência: OL-F04-08

"Depois meu irmão passa a exigir que eu faça nosso pai visível para ele e, com o tempo, suas perguntas vão adquirindo um caráter pouco indagador, mais afirmativo; em seu interior gerou uma figura nascida quem sabe de que moldes(...)"

("Perdidos e Achados" in Nove, Novena)

A perda da mãe determinou seu convívio com parentes próximos que lhe deram afeto familiar: sua avó paterna, Joana Carolina; sua tia Laura casada com Antonio Figueiredo, comerciante, de quem o menino, maravilhado, ouvia narrações de suas viagens, até altas horas da noite. As estórias orais, inventadas pelo tio, despertaram nele o gosto de narrar.

Infância Osman Lins
Arquivo IEB-USP, Fundo Osman Lins, Código de Referência: OL-F04-004

“Foi ele o meu primeiro livro, meu iniciador na arte de narrar, assim como a velha Totônia foi a primeira influência literária de José Lins do Rego. Com a diferença de que as suas histórias não falavam de princesas ou dos Doze Pares de França. Mas dos homens que ele conhecia e do chão onde pisava. Foi a ele, e não a um escritor, que procurei imitar, quando – tateando o meu destino e dando o passo inicial no que viria a ser; mais tarde o projeto central da minha vida – esbocei as primeiras narrativas.”

Essa pequena comunidade afetiva de Osman Lins constituirá fonte para a criação de vários personagens de sua obra. O incentivo para escrever veio do professor José Aragão, seu tutor no, então, Ginásio da Vitória. Dele, o escritor herdou o sentido da disciplina e discernimento na ordenação imaginativa.

“Creio, assim, que o Dia do Alfaiate desaparecerá em breve do nosso calendário de comemorações. Desaparecem, com as alfaiatarias, oficiais como o meu pai, que mantinham com as medidas e os riscos uma intimidade cheia de nobreza. É, com isto, a razão de ser da homenagem, já que os novos tempos mostram-se desdenhosos para com os ofícios delicados, cujo sentido não está em produzir muito e sim em produzir serenamente.”

(“Um dia que se despede do Calendário”, In: Evangelho na taba)

Osman Lins no Banco do Brasil
Arquivo IEB-USP, Fundo Osman Lins, Código de Referência: OL-F06-001

Ecos de sua ligação afetiva com o pai, Teófanes da Costa Lins, localizam-se em crônicas dedicadas ao dia do alfaiate, sua profissão, e em vários momentos de reflexão teórica, nos quais Osman Lins estabelece relações entre o trabalho do escritor e o do artesão.

Cursou o primário de 1932 a 1935, no Colégio Santo Antão. Ao terminar o ginásio, realizado no período 1936-1940 no Ginásio de Vitória, impõe-se para ele a necessidade de deixar a cidade natal que pouco podia lhe oferecer em termos de estudos. Muda-se para Recife, em 1941, quando consegue o primeiro emprego, como escriturário na secretaria do, então, Ginásio de Recife.

A essas alturas, já era habilitado em datilografia, curso que finalizou junto com o ginásio. Nesse mesmo ano, começam a surgir, nos suplementos da capital pernambucana, suas primeiras experiências no campo da ficção ( “Menino Mau” e “Fantasmas…”) .

Em 1943, inicia-se um longo período em que suas preocupações literárias, pelo menos publicamente, são deixadas de lado, quando ingressa por concurso no Banco do Brasil. Segue o curso de Finanças da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade do Recife (1944-1946).

É do conhecimento de poucos que, concomitantemente aos estudos universitários, dedica-se à composição de um romance, que lhe consome mais dois anos.

Chega a terminá-lo, mas não o edita. Isso não significa o abandono da literatura. Ao contrário, foi uma espécie de rito de passagem, em que o escritor praticava o exercício da palavra, com apurado senso crítico.

“(...)
Quem conduzia essas moças
Para a leveza marinha
Daquelas velhas manhãs,
era eu. Cruzava minha
cidade, sem pressentir,
com os últimos veleiros,
a morte os perseguia
noutros barcos mais ligeiros.”

(fragmento de “Lamentação tranviária”)

Arquivo IEB-USP, Fundo Osman Lins, Código de Referência: OL-F04-001

No período 1947- 1953, casa-se com Dona Maria do Carmo e torna-se pai de três filhas: Litânia, Letícia e Ângela. Seu cotidiano entre trabalho e família abriga também espaço para o exercício da literatura.

Escreve contos e os apresenta em concursos. Em 1950, obtém a terceira colocação no Concurso Jornal de Letras, com o conto “O Eco”. Outro, “A doação”, é agraciado com primeiro prêmio no Concurso Minas-Brasil.

O ano de 1951 é marcado por intensa atividade literária e cultural. Integra o corpo de redação da revista Memorandum, órgão da Associação Atlética do Banco do Brasil e torna-se colaborador regular no Suplemento Literário do Diário de Pernambuco, publicando contos.

Envolve-se, também, na direção e produção de programas radiofônicos culturais, na Rádio Jornal do Commercio, em Recife. Apresenta mais um livro de conto, “Os sós”, a concurso literário, obtendo o segundo prêmio no Concurso Livro de Contos Tentativa, em Atibaia , São Paulo.

Nesse período desabrocha-se o artesão da palavra, que verá também premiados e reconhecidos pela crítica seus dois primeiros livros colocados à disposição do grande público: O visitante, romance lançado em 1955 (começou a escrevê-lo em 1952, recebeu o prêmio Fábio Prado, em São Paulo, em 1954, ocasião em que se desloca pela primeira vez para esta cidade e participa de encontro com escritores com as mesmas afinidades) e Os gestos, livro de contos, lançado em 1957, agraciado com o prêmio Monteiro Lobato em São Paulo.

Essas obras receberam também outros prêmios. Ainda em 1957, sua peça teatral O vale sem sol obtém Destaque Especial no Concurso Cia. Tônia-Celi-Autran. Um ano antes, inaugura a coluna “Carta do Recife” que logo passa a “Crônica do Recife”, enviando suas primeiras colaborações críticas para o jornal O Estado de São Paulo.

Entre as atividades da década de 1950, incluem-se publicações de poesias em jornal (entre 1953 e 1959: “Instante”, “Lamentação Tranviária”, “A Corola”, “A Imagem”, “Sonetinho Ingênuo”, “Poema sobre a melhor maneira de amar”, “Serenata Recifense para Cacilda Becker”, “Soneto do Oferecimento” e “Soneto Arquitetônico”).

Parte do elenco de "Lisbela e o Prisioneiro"
Arquivo IEB-USP, Fundo Osman Lins, Código de Referência: OL-F04-107

A partir da publicação de seus primeiros livros, a dedicação de Osman Lins a seu projeto literário intensifica-se e entrelaça-se com suas viagens ao Rio e a São Paulo, com seu estágio na França e com sua mudança para São Paulo.

Antes de ir para França, em 1961, como bolsista da Aliança Francesa, conclui o curso de Dramaturgia, em 1960, na Escola de Belas Artes da Universidade de Recife, tendo participado da primeira turma desse curso, do qual eram professores Joel Pontes e Hermilo Borba Filho, que viriam a se tornar seus interlocutores intelectuais, em especial, este último.

Na sua permanência de seis meses em Paris, onde cumpre um rígido programa cultural de visita a catedrais, a museus,e de viagens para outros países em função de seu projeto cultural, atua também como correspondente teatral crítico da França para o Jornal do Commercio .

Enquanto se encontra na capital parisiense, estréia, no Rio de Janeiro, sua peça Lisbela e o prisioneiro, que recebera o prêmio Concurso Cia. Tônia-Celi-Autran.

Osman Lins
Arquivo IEB-USP, Fundo Osman Lins

Ainda nesse ano, é publicado, também no Rio de Janeiro, O fiel e a pedra, premiado pela União Brasileira de Escritores. Como ocorreu com os livros publicados anteriormente, esse romance foi muito bem recebido pela crítica, sensibilizada pelo fato de o autor desbravar caminho próprio na tradição do romance regionalista do nordeste, afastando-se do recurso ao pitoresco, à cor local, ao folclore e à sensualidade e realizando-se no registro do romance ético e épico. Com O fiel e a pedra Osman Lins mostra-se capaz de rivalizar com os melhores escritores da geração anterior.

O ano de 1961 é um marco na biografia de Osman Lins, no sentido de que o solo de seu trabalho literário, intelectual e cultural que vinha sendo semeado e regado pacientemente e a duras penas dá frutos viçosos, não só pelo reconhecimento de suas qualidades, mas também por atingir público mais amplo.

A partir de então, o ficcionista não precisará mais se submeter a concursos, embora, como dramaturgo, Osman Lins venha a ser ainda agraciado com prêmios (em 1965, dois lhe são conferidos : Anchieta, da Comissão Estadual de Teatro, de São Paulo, pela peça Guerra do cansa-cavalo (que será publicada dois anos depois e que, em 1971, inaugurará o Teatro Municipal de Santo André); Narizinho, também , da Comissão Estadual de Teatro, pela peça infantil Capa Verde e o Natal.

“Mas já estou morando num quarto que aluguei, num apartamento onde reside uma família, bastante alinhado, num prédio bonito e ótimo local. Meu quarto é simpático, com grandes armários embutidos, cortina vermelha, uma área envidraçada onde escrevo, poltrona, etc. Infelizmente, ainda poucos livros. Há também esta secretária, com um cravo num jarrinho, os retratos das meninas, um lápis vermelho num copo vermelho.”

(trecho de carta à amiga Zilá Mamede, datada de 16/04/1963)

Referindo-se a O fiel e a pedra, Osman Lins diz que este romance corresponde a uma “plataforma de chegada e de saída”, encerrando uma fase de sua ficção em termos tradicionais. Essa mesma expressão pode ser aplicada para o ano de 1961, a partir de uma visão global de sua biografia.

Além de fazer sua primeira viagem internacional, distanciando-se por um longo período de seu ambiente familiar, Osman Lins decide transferir-se para São Paulo, também, em função de seu projeto literário.

Nesse sentido, o escritor de Vitória de Santo Antão dá um passo que facilitará a exteriorização de um processo que já vinha se desenvolvendo internamente, com grandes repercussões na sua vida familiar e na sua escrita literária.

Dois anos depois, concretiza-se a separação entre Osman Lins e Dona Maria do Carmo, motivando o retorno desta com as meninas para Recife. Dando continuidade às suas funções no Banco do Brasil, para poder sustentar-se e manter os compromissos de manutenção da ex-esposa e assegurar a educação das filhas, estas intensamente presentes no seu mundo afetivo até a morte, o autor não esmorece no obstinado trabalho com a palavra.

Lança Marinheiro de primeira viagem, inovador livro do gênero Literatura de viagem, sobre sua experiência em terras européias, elo entre sua fase tradicional e a sua nova poética literária. Publica contos nas revistas Cláudia, Senhor e Vogue, que antecipam futuros capítulos de romances. Sua peça, Idade dos homens, é encenada no Teatro Bela Vista de São Paulo.

Em 1964 casa-se com a escritora Julieta de Godoy Ladeira. Esse ano é marcado pela presença do teatro em sua vida intelectual e cultural. É publicada sua premiada peça Lisbela e o prisioneiro.

Osman Lins engaja-se na defesa da dramaturgia brasileira e da classe teatral, com artigos polêmicos na imprensa. Com isso, começa a crescer também como um intelectual participante das discussões culturais da época. Seu único poema disponibilizado para o leitor, na década de 1960, aparece no Jornal O Estado de São Paulo: “Ode”.

Dois anos depois, publica Nove, novena, conjunto de nove narrativas, com as quais consegue realizações literárias pessoais, iniciando outra fase de sua ficção, em que se incluem os romances, Avalovara (1973) e A rainha dos cárceres da Grécia (1976), num registro antiilusionista, ancorado numa construção estrutural rigorosa, em que se aliam precisão e fantasia, prosa e poesia, reflexão e estória.

As inovações poéticas desses livros atraíram o olhar da crítica que não percebeu ou não ressaltou sua dimensão política, já presente em Nove, novena, deixando, portanto, de acenar para um aspecto importante da obra de um escritor comprometido com seu tempo e sua realidade, sem fazer concessões à literatura engajada.

No ano da publicação de Nove, novena , é lançado em Recife seu livro de ensaios, Um mundo estagnado.

Em meio a esse período de produção ficcional, continua escrevendo crônicas e artigos. Em 1967,começa a publicar regularmente no jornal A Gazeta, de São Paulo.

Em 1969, lança Guerra sem testemunhas – O escritor, sua condição e a realidade social, coletânea de ensaios combatentes que condensa o pensamento de Osman Lins sobre as questões que envolvem o escritor, numa forma inusitada de ensaio.

Esta fase de preocupação com novas formas não se restringe à ficção, mas está relacionada a uma visão de mundo, que abarca, também, produção de ensaio. No caso, o escritor se desdobra em duas personagens e prevalece o discurso dialógico na discussão dos temas polêmicos propostos em Guerra sem testemunhas.

Osman Lins e alunas em Marília
Arquivo IEB-USP, Fundo Osman Lins, Código de Referência: OL-F07-01

Depois de se aposentar do Banco do Brasil, assume em 1970 a cátedra de Literatura Brasileira na Faculdade de Filosofia de Marília, em São Paulo. Nesse ano, começa a escrever o romance Avalovara.

Empenha-se na dedicação à docência, com aulas meticulosamente preparadas, mas sua experiência no ambiente universitário lhe é decepcionante, ao perceber que nem os docentes nem os alunos têm vínculos sólidos com a literatura, como seria de se esperar num curso de Letras.

Vivencia vários embates. Em seus artigos toca em pontos cruciais sobre o ensino de Literatura nas Faculdades de Letras, em geral, naquela época em que estavam na ordem do dia as teorias formalistas e estruturalistas.

Desiludido, afasta-se do ensino universitário, depois de mais ou menos seis anos de atuação.
Em 1973, defende tese de doutoramento na Universidade de São Paulo “Lima Barreto, e o espaço romanesco”, que será publicado em 1975. Mas o grande acontecimento deste ano foi o lançamento do romance Avalovara.
No meio de tantas atividades ao longo de sua fase da vida em São Paulo, fez várias viagens à Europa, para estabelecer contatos com editores, assinar contratos, lançar livros em vários países, tendo sido Nove, novena, o primeiro deles a atravessar o mar, com a tradução em francês, publicada em 1971.

Embora a ficção ocupe lugar privilegiado na sua vida como criador, o teatro não é abandonado por Osman Lins. Em 1974, “Mistério das figuras de barro”, peça em um ato, dirigida pelo autor, é encenada por seus alunos na Faculdade de Marília. No ano seguinte, é publicada uma coleção de três peças teatrais Santa, automóvel e soldado , na perspectiva de sua concepção de teatro ideal, em que é valorizado o texto e não a encenação. Mais uma proposta polêmica de Osman Lins.

Continuam as viagens ao exterior, para lançamento de livros e novos contratos. Em 1976, é publicado seu último romance, A rainha dos cárceres da Grécia.

No ano seguinte faz uma curta viagem ao Peru e à Bolívia, em companhia de Julieta. Dessa viagem, resulta um livro escrito a quatro mãos La Paz existe?

Mais uma experiência literária inovadora, desta vez com a cumplicidade da escritora Julieta de Godoy Ladeira, aliás, interlocutora, cuja colaboração Osman Lins reconhece com ênfase. No caso do romance Avalovara, chega a qualificá-la como co-autora, tantas foram as idéias trocadas entre eles.

Parte do cenário ficcionalizado em "A Cabeça Levada em Triunfo"
Arquivo IEB-USP, Fundo Osman Lins, Código de Referência: OL-F04-049

No ano de 1977, vários outros trabalhos de Osman Lins vêm a público, cobrindo o campo da literatura, do teatro e do ensaio. São lançados o livro infantil , O diabo na noite de Natal ; o volume com variações em torno ao conto “Missa do Galo”, de Machado de Assis, em colaboração com outros escritores.

É encenada a peça em um ato, Romance dos soldados de Herodes, no Rio Grande do Sul e em São Paulo.

Todas essas atividades, no entanto, não o desviam da preparação para o seu próximo romance, Uma cabeça levada em triunfo. Começa a escrevê-lo. Mas desta vez, o obstinado Osman Lins não finaliza seu projeto. No início de 1978, surgem os primeiros sintomas da doença que o levará à morte no dia 8 de julho.

Em contrapartida, nesse mesmo ano é publicado seu derradeiro livro, Casos especiais de Osman Lins, composto por três novelas: “A Ilha no Espaço”, “Quem era Shirley Temple?” e” Marcha Fúnebre”, transmitidas pela T.V. Globo entre 1975 e 1977.

Esta coletânea fixa a imagem do escritor vivo: “aberto à experimentação, afeito aos vôos e riscos, avesso à repetição dos caminhos conhecidos”, até “ no que se poderia considerar seus instantes casuais”