Teses e dissertações

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

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O núcleo de abordagem das novelas do escritor Osman Lins instaura-se no processo de reconstrução da ligação do homem moderno ao cosmo, aplicado às narrativas denominadas abjetas, termo de Walter Benjamin. Isso porque, ao recuperar a alegoria da Idade Média, Osman Lins edifica uma via interpretativa desse processo que tem como epicentro imagens de insetos e animais, bases do trabalho metafórico figurativo das novelas em análise: Noivado, O Pássaro Transparente e Pentágono de Hahn e outras narrativas de Nove, Novena. Nestas, o sentido da significação emerge da corrosão das relações entre as coisas que transformam os seres vivos em ruínas, cujo grande efeito é a perda da estabilidade dada pela acumulação de informação, em favor da fragmentação e da mutação. O trabalho de deslocamento da língua para a linguagem faz da criação literária de Osman Lins um modo de domar as palavras análogas às da poesia, todavia em prosa liberada pela imagem alegórica. Ao fazer dos animais e insetos uma porta de entrada a um mundo de mistério e fantasia, também faz uma indagação constante nas histórias das novelas, instalada pela renúncia a qualquer modalidade de tecnologia ou ideologia totalitária a elas aplicada. O tropo é a figura em uso libertário pelo qual ocorre a transformação da alegoria em imagem na novela contaminada Nove, Novena. As narrativas em estudo são resultantes de uma atitude de rejeição do escritor aos estereótipos dados pelos lugares-comuns no exercício literário, porém deslocados pela improvisação de um modo de narrar que mostra deformação e contaminação sob outras afinidades equivalentes ao enunciado narrativo: o objetivo é devolver a identidade à linguagem. O trabalho representacional narrativo em Nove, Novena exibe o homem diante dos conflitos da modernidade posto em causa pela exploração da acepção do abjeto, ao incitar, por essa via, o leitor à reflexão sobre a automatização, a alienação e a solidão, e, conseqüentemente, inaugurando uma nova época na sociedade brasileira na segunda metade do século XX: o bicho-palavra produzindo fissuras , produção de novos objetos vivos em palavras-corpo. O primeiro capítulo, Correlações da narrativa fragmentária e do gênero novela, trata do trabalho conceitual da transformação e deslocamento da forma literal da alegoria medieval para uma modalidade renomada e transfigurada da novela de Osman Lins, em paralelo à ilustração de Braque: Telhados de Céret. O segundo capítulo, Confrontos alegóricos: conceitual e artístico, expõe o exercício ornamental visual e descritivo em comparação à ilustração La Dame à la Licorne, alocando o elemento maravilhoso medieval na motivação das personagens animais, personagens nas novelas. O terceiro capítulo, Formas de conceptismo engenhoso: alegorismos e metáforas, concretiza a análise das novelas sob a contaminação de outros símbolos da visualidade, apontando as marcas diferenciais dadas pela fragmentação e contaminação discursiva, pelos princípios poéticos da analogia, da comparação, da ironia, da metaforização e do espetáculo plástico da imagem em mosaico, metodologias e procedimentos de leitura e interpretação. A fundamentação conceitual se ateve aos teóricos: Walter Benjamin, Roland Barthes, A. Hansen, T. E. Hulme, Octávio Paz, Jaime Alazraki, Umberto Eco e leitores contemporâneos brasileiros da obra de Osman Lins em referência preferencial.

No conjunto da literatura brasileira, Osman Lins é um nome que se destaca pela qualidade e pela diversidade de sua produção. Romancista, dramaturgo, ensaísta, dentre outras atribuições, o escritor possui um requinte estético bem como uma postura reflexiva em face dos entraves culturais, sociais e políticos do país. Os estudos osmanianos, com frequência, destacam os experimentos romanescos do autor em sua chamada fase de maturidade. Não exclusivamente, a criação anterior a esse período ainda carece de maiores exames críticos, a exemplo do romance de estreia, O visitante (1955), corpus desta pesquisa. Além da interessante urdidura textual, essa obra apresenta uma fortuna crítica modesta, o que enseja este trabalho. Acrescente-se que, em várias ocasiões, o escritor afirma que a atitude cosmogônica, aliada às preocupações com as mazelas nacionais e à reflexão sobre o processo criativo, orientam sua vida e o ofício literário. Isso posto, pergunta-se como essa cosmovisão se presentifica em O visitante. Levando em conta o traçado interdiscursivo da narrativa e a postura crítico-social do romancista, a análise proposta considera as inscrições mitológicas, bíblicas e litúrgicas, bem como seus desdobramentos escriturais no enredo. Diante disso, a hipótese é que Lins, numa modulação subversiva, traz à cena elementos do mito edênico e da liturgia cristã, como também expõe as contradições de uma sociedade que privilegia as aparências, vitimando, principalmente, a mulher. Na articulação crítico-teórica, faz-se uma revisão do itinerário analítico do corpus, ao que se conta com o auxílio de Nitrini (1987; 2001; 2003; 2004), Andrade (2001; 2004; 2014) e Ribeiro (2014), dentre outros. Os conceitos de limiar — Benjamin (1987), Gagnebin (2010); dispositivos e profanação, segundo Agamben (2009; 2010, respectivamente), também orientam a pesquisa. Completam o quadro teórico-crítico da mesma, as reflexões em torno da criação mito-poética conforme o pensamento de Mielietinski (1987), Eliade (2010), Perrone-Moisés (1998), Benjamin (2013), Derrida (2005) e Bastazin (2006). O percurso metodológico, partindo da estrutura narrativa e da fortuna crítica da obra, examina as inversões estéticas operacionalizadas pela escritura osmaniana. Portanto, O visitante, primeiro gesto criativo de Osman Lins, não obstante seus traços mito-poéticos, apresenta, por meio de uma trama introspectiva, uma arguta visão do jogo de manipulação que sustenta a sociedade, princípio que desvirtua a essência do ser e busca ocultar a natureza contraditória do poder.

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